temas gerais relacionados com a aula
o que é linguagem? o que é pensamento? como as pessoas pensam? como elas se comunicam através das linguagens que utilizam? as coisas existentes no mundo são objetivas, ou seja, sua existência é independente de como nos relacionamos com elas, ou subjetivas, ou seja, modeladas pela forma como nos relacionamos com ela? como conhecemos as coisas existentes? o que é conhecimento?

“É tropeçando no real que experimentamos o externo como algo distinto de nossas expectativas, desejos e fantasias” (Lucia Santaella, O método anticartesiano de C. S. Peirce, p. 42)

tópicos a serem discutidos em sala

o pensamento de Peirce, no contexto de uma época de desconstrução do humanismo, do racionalismo e do cientificismo (por exemplo, por Freud e Nietzche)

“Who is the most original and the most versatile intellect that the Americas have so far produced? The answer “Charles S. Peirce” is uncontested, because any second would be so far behind as not to be worth nominating. [He was] mathematician, astronomer, chemist, geodesist, surveyor, cartographer, metrologist, spectroscopist, engineer, inventor; psychologist, philologist, lexicographer, historian of science, mathematical economist, lifelong student of medicine; book reviewer, dramatist, actor, short story writer; phenomenologist, semiotician, logician, rhetorician and metaphysician.” (Max H. Fisch in Sebeok, The Play of Musement – cf. http://www.peirce.org/life.html)

O método anticartesiano de C. S. Peirce

“Peirce pôs em questão qualquer suposição de que um conhecimento seguro e certo possa existir, devendo todo conhecimento ser visto à luz dos fatos externos.” (p. 46)

p. 22
“Conforme será discutido ao longo deste livro, o acerto de contas com o cartesianismo realizado por Peirce não se enquadra no domínio da caricatura ou da lenda sobre o ‘dualismo cartesiano’. A preocupação de Peirce não estava voltada para uma revisão da constituição do ser humano. Ao contrário, quando escreveu seus textos anticartesianos /…/ o jovem Peirce estava preocupado com a defesa da lógica contra muito justamente aqueles que pensavam que ela devia ser fundada em um conhecimento da natureza humana (ver Hoockway, 1985, p. 15-8). Para os lógicos de sua época, as inferências puramente dedutivas poderiam realizar-se tão-somente por meio de um estudo formal, mas as inferências ampliativas, indução e hipótese, por dependerem de dados fatuais, deveriam ser objetos da ‘psicologia’. Todo o esforço de Peirce se voltou, então, para a construção de uma lógica ‘ampliada’ (sua ainda incipiente semiótica) que livrasse as inferências ampliativas do psicologismo”

p. 28
“A grande novidade da teoria peirceana dos métodos está na sua demonstração de que, para negar as mazelas de um racionalismo exclusivista, não temos de partir para a glorificação do emocional e da irracionalidade. Peirce mostra que as vias que vão do instinto à razão e vice-versa não estão separadas por fronteiras intransponíveis”

Os sentimentos

“Um indivíduo, entrando numa sala escura, tropeça numa cadeira. Raiva, digamos, é a sua resposta. Alguns adjetivos escolhidos e coloridos, para indicar quão detestável ela é, são desferidos contra a cadeira. Peirce diria que a raiva da pessoa em questão consiste na sua atribuição dessas características à cadeira. Apenas quando se torna consciente de sua resposta à situação é que essa pessoa se dá conta de que está com raiva. O conhecimento de que está com raiva, então, é inferido da predicação de características perniciosas da cadeira. Isso ilustra a postulação peirceana de que mesmo o conhecimento de nossas emoções é o resultado de uma inferência de algo externo. (Jones, 1972, p. 33)” (p. 43)

A intuição
“Peirce considerava que o conceito de intuição estava na base de todas as diferentes formas de cartesianismo” (p. 32) / “O que Peirce rejeitou foi a concepção da intuição como origem e como porto seguro, ponto de partida infalível do conhecimento” (p. 47) / “Peirce estava convencido de que não poderia haver nada mais inadequado e não confiável do que fundar o conhecimento na intuição, pois isso significa  depositar, na consciência individual, a certeza do conhecimento e da investigação.” (p. 47)

“A crença na intuição e a robusta certeza que ela acarreta produzem conforto, funcionando como um abrigo seguro a nos proteger contra a indeterminação, a incerteza, o falível e o provisório” (p. 40) / “Como é possível ter certeza de que se trata de uma intuição e não de sentimentos resultantes de processos de aprendizado?” (p. 41)

“O cartesianismo, tal como foi criticado por Peirce, entendia que a ação mental era intuitiva, o que acabou por redundar numa teoria poderosa e persuasiva sobre a natureza do insight intelectural humano. Se a ação mental é intuitiva, as situações de flash, quando descobrimos ou ganhamos uma nova e instantânea compreensão das coisas, são ilustrações aparentemente inquestionáveis dessa forma de ação mental. Além disso, a teoria do insight acabou também por complementar-se numa teoria sobre a natureza da investigação, da clareza, da verdade e da certeza, como se pode ver em ‘Regras para a direção da mente’ (Descartes, 1955). O alvo da investigação é clarear o caminho para o insight intelectual, o que pode ser realizado, de acordo com Descartes, pelo atendimento às regras (cf. Jones, 1972, p.4).

Fornecendo, de um só golpe, uma resposta integrada para os problemas da ação mental, da descoberta e da investigação, o cartesianismo infiltrou-se não só no espírito dos filósofos e investigadores, mas também no imaginário popular. É na intuição que repousam as explicações para os poderes humanos da descoberta, comumente expressas em metáforas visionárias, proféticas, até o ponto de a intuição ter sido simplesmente tomada como sinônimo de inspiração, lucidez e principalmente sagacidade. Trata-se de um ato de conhecimento imediato, instantâneo, difeto, enfim, não mediado por nenhuma cognição prévia. Nele repousa todo o nosso poder para chegar à luz da verdade das coisas, o que as palavras flash e insight expressam com certa justeza, daí terem se impregnado com bastante naturalidade em nosso vocabulário, embora estrangeiras.” (p. 33)

“O texto peirceano tem início exatamente com esta preocupação [de explicitar seu entendimento do conceito de intuição]:

Em todo este trabalho, o termo inglês intuição será tomado como significando uma cognição não determinada por uma cognição prévia do mesmo objeto, e consequentemente assim determinada por algo fora da consciência. Devo pedir ao leitor que leve isso em conta. Intuição será aqui usada num sentido próximo de ‘premissa que não é ela mesma uma conclusão’; a única diferença sendo que premissas e conclusões são julgamentos, enquanto a intuição pode, tal como sua definição afirma, ser qualquer espécie de cognição. Mas assim como uma conclusão (boa ou má) é determinada, na mente de quem raciocina, por sua premissa, também as cognições que não são julgamentos podem ser determinadas por cognições prévias; e uma cognição que não é assim determinada, sendo, portanto, determinada pelo objeto transcendental, deve ser chamada de intuição. (Peirce, 1992a, p. 11-2)” (p. 37)

Pensamento / Conhecimento
“Pensamentos são eventos, atos da mente” (p. 54)

“Para Descartes, imediaticidade significava contato direto da mente com o objeto da compreensão, o que produzia certeza e infalibilidade. Para Peirce, ao contrário, significava impossibilidade de conhecimento, pois o pensamento em si mesmo não pode ser diretamente conhecido” (p. 55)

“A certeza, sempre provisória, é uma questão coletiva” (p. 57)

“Não há conhecimento sem interpretação” (p. 57)

relações possíveis entre o pensamento Peirceano e as pesquisas em cibernética e inteligência artifical
“We will talk only about machines with very simple internal structures, too simple in fact to be interesting from the point of view of mechanical or electrical engineering. Interest arises, rather, when we look at this machines or vehicles as if they were animals in a natural environment. We will be tempted, then, to use pshychological language in describing their behavior. And yet we know very well that there is nothing in these vehicles that we have not put in ourselves. This will be an interesting educational game.” (Valentino Braitenberg, p. 2)

textos para download
O método Anticartesiano de C. S. Peirce – Lucia Santaella

Vehicles – Experiment in Synthetic Psychology, de Valentino Braitenberg