do multi/intermídia ao digital/ao vivo

no segundo semestre de 2015, os cursos que vou ofecer giram em torno do surgimento das linguagens multimídia e intermídia, e de como elas foram mudando com o surgimento das redes digitais. há tantos vetores que permitem tratar deste percurso quanto perspectivas teóricas, recortes e abordagens existentes. um dos panos de fundo da discussão (mesmo que isto não fique tão explícito, a não ser no curso da pós-graduação) é a maneira de abordar as relações entre os diferentes ciclos e épocas tecnológicas que ficou conhecido como arqueologia das mídias — especialmente a vertente “berlinense” representada por wolfgang ernst.

outro aspecto da discussão refere-se a um entendimento dos conceitos de mídia e mediação, que estabelecem o ponto-de-partida de onde surgem conceitos como multimídia e intermídia, e indicam seu caráter de trânsito entre circuitos, localizados nos interstícios entre arte e comunicação onde as premissas do grupo fluxus serão determinantes para pensar de que maneira os processos tecnológicos mudaram a maneira como as pessoas produzem linguagem.

uma das preocupações da aulas será um engajamento em contextualizar num espectro mais amplo da história da cultura as tendências de linguagem que surgem como resultado dos avanços nas tecnologias em rede e suas diferentes formas de transmissão (o broadcast, a internet, os celulares conectados a redes sem-fio). além de colocar em xeque um certo deslumbre com novidades que às vezes surge como resultado da rapidez com que as tecnologias se sucedem hoje em dia, esta abordagem evita a ilusão de que a história se dá em ordem cronológica, e questiona a centralidade dos modos de narrar marcados por lógicas de evolução e continuidade.

uma justificativa sintética para esta opção aparece nos dois primeiros parágrafos do artigo Audiovisual ao vivo: feedbacks entre os cinemas experimentais, as artes do vídeo e o audiovisual contemporâneo, que esta no prelo para publicação na próxima edição da revista EcoPós, editada por cesar baio.

O surgimento de novas linguagens e tecnologias costuma produzir discursos de ruptura, um apego ao estilo de pensar das vanguardas históricas, com seus desejos de inovação, originalidade, superação. A eles, não faz sentido contrapor discursos do desapego, instalando um contraponto incapaz de dar conta da multiplicidade de vetores que esticam o contemporâneo em direções divergentes. O desafio, como explica Peter Pál Pelbart, é do pensar “a partir do nosso presente, de suas múltiplas energias e sua molecularidade enxameante”, o que se dá pelo exame “de certos processos paradoxais que atravessam esse contexto em pares” (inclusive pares como apego e desapego). No caso do audiovisual, esta questão surge pelo exame do contraponto entre os pressupostos do realismo ou do artifício — que, veremos, é insustentável diante da complexidade dos autores e textos que engloba.

Em Máquinas de Imagem, Dubois explica que a “ideia de novidade associada à questão das tecnologias funciona primeiro, e sobretudo, como um efeito de linguagem, de tanto ser alardeada pelos vários discursos de escolta que não cessaram de acompanhá-las”. Ele considera que esta retórica veicula “uma dupla ideologia bem determinada: de um lado, a ideologia da ruptura, da tábula rasa, e portanto da recusa da história. De outro, a ideologia do progresso contínuo”. Deste modo de pensar, pode-se dizer que trata-se do velho discurso da novidade. Este artigo procura — ao estabelecer elos entre diferentes momentos da linguagem audiovisual — questionar se não seria útil encontrar um novo discurso da antiguidade.

 

diante desta diversidade, e levando em conta o surgimento de fenômenos como a impressão 3-D e a democratização dos processos de desenvolvimento de hardware em função do universo que surge em torno do arduíno, um foco mais explícito que vai ligar todos estes temas é o uso de interfaces. mas a palavra, neste contexto, vai sofrer um alargamento cujo objetivo é destituí-la de seu sentido mais explicitamente tecnológico. no glossário da mostra VISUALISMO, o conceito de interface aparece com a seguinte definição:

O termo, que ficou conhecido a partir das interfaces gráficas (GUI – GraphicUser Interface) com as quais os usuários de computador se relacionam para acessar os sistemas operacionais, também pode estar associado a dispositivos que expandem, para fora do computador, o acesso a recursos de manipulação de determinados softwares. É esse o caso de interfaces que permitem controlar certas características de som ou imagens em movimento, como os controladores MIDI. São aparelhos parecidos com teclados de música que, ao invés de notas, emitem valores numéricos, que podem ser usados para disparar sons ou cenas ao vivo, aplicar efeitos ou controlar a velocidade de certas sequências, além de uma série de outras possibilidades (restritas à imaginação e aos limites das linguagens de programação usadas para essa finalidade). Há vários tipos de controladores, alguns deles feitos pelos próprios artistas de forma quase artesanal, com funcionamento específico para suas próprias necessidades.

 

a redução mais extrema da ideia de interface é considerar que tudo que tem capacidade de conectar duas coisas é uma interface. de forma menos marcada pelo funcionamento de equipamentos como o mouse, o teclado ou os controladores MIDI citados acima, não seria impossível dizer que tudo o que estabelece o elo entre duas coisas que não se comunicariam sem esta mediação se comporta como uma interface.

deste ponto-de-vista, é válido conhecer o conceito de mediação radical proposto por richard grusin, num esforço para propor uma teoria das mídias marcada pelas formas de comunicação distribuídas e descentralizadas das redes contemporâneas. trata-se de um passo adiante dos modelos de reticularidade associados a termos como hipertexto ou hipermídia, como será discutido de maneira mais extensa durante o desenvolvimento do tópico mundo sem fronteiras.

partindo deste princípio, é possível percorrer um repertório amplo da produção modernista e contemporânea, examinando como o surgimento de tecnologias centrais para o entendimento da cultura nos séculos XX e XXI (a fotografia, o cinema, o vídeo, as redes) vai mudar de maneira radical as linguagens artísticas.

o século XIX parece ser o momento de síntese das condições que vão levar o mundo pelos rumos atuais. é o momento em que as cidades começam a se tornar espaço preferido do viver; em que as redes de comunicação começam a se constituir, permitindo o trânsito de informações desvinculado do deslocamento físico (já pensaram que uma carta precisa ser transportada, seja por um cavalo ou um avião, mas uma ligação telefônica ou um e-mail dispensam este condutor?); em que os dispositivos mecânicos começam a se tornar cotidianos, sejam eles relógios de ponto e teares em fábricas ou máquinas fotográficas e gramofones.

é um mundo radicalmente diferente do que os homens estavam acostumados, e em muitos aspectos espantoso. não é por acaso que perdura o mito de que os espectadores das primeiras sessões de cinema fugiam da sala quando o trem chegando em La Ciotat, na famosa filmagem dos irmãos Lumiére, crescia em close a ponto de dar a impressão que saltaria da tela. uma história verídica, relatada por José Ramos Tinhorão em seu livro sobre como o som gravado mudou a história da música brasileira, dá a medida deste estranhamento. inserir citação

os roteiros de aula listados abaixo serão compartilhados (com diferentes recortes) entre o curso fundamentos do design tecnológico em ambientes inteligentes (das pós em TIDD, na PUC-SP) e o curso multimídia e intermídia 1 (da graduação em artes plásticas, da ECA-USP). alguns deles serão abordados no curso arqueologia do audiovisual ao vivo (no programa Sapiências, do SESC Consolação). além do curso teórico, também vou oferecer uma oficina sobre a história e as práticas das linguagens audiovisuais ao vivo, no SESC Consolação. a opção por temas amplos, ao invés de uma abordagem a partir da história da arte, tem vários objetivos. no curso “multimídia e intermídia 1”, acontecerá uma atividade com nome provisório de ateliê invertido: uma vez por mês, artistas virão à sala de aula para compartilhar seu processo criativo. em datas a serem definidas, participação desta atividade os artistas duVa, Fernando Velazquez e Matheus Leston.

_ pontes, viadutos, portas, relógios, escadas: passagens, ou seja, interfaces

_ luz e movimento: a arte diante de outros vocabulários, nas experiências das vanguardas históricas com dispositivos mecânicos

_ um outro modernismo? em torno de walter ruttman, flavio de carvalho, alexander calder, abraham palatinik e robert rauschenberg

_ livros sem texto: a gênese dos conceitos de multimídia e intermídia (em diálogo com a arte computacional de waldermar cordeiro e max bense e com a escritura verbivocovisual da poesia concreta)

_ tendências 1: cultura remix

_ tendências 2: mídias locativas

_ tendências 3: mapeamento

_ em torno da imagem digital: questões ligadas a maneira com que os softwares de composição, edição e programação orientada a objetos organizam as linguagens imagéticas, sonoras e audiovisuais

 

sesc consolação / sapiências 

_ três formas de entender o cinema: como narrativa, como montagem e como efeito de percepção

_ limites e expansões do filme

_ porosidades e sobreposições do vídeo

_ eventualidades e performatividades da imagem digital

 

 

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