O palco como máquina de percepção

O alemão Erwin Piscator foi um dos grandes inovadores da dramaturgia de vanguarda, usando luz e diferentes configurações espaçiais como estratégias de montagem e fragmentação narrativa.

Um dos temas do livro multifacetado de Chris Salter, Entangled — Technology and The Transformation of Performance são os avanços nas tecnologias de construção de palco  que surgem no início do Século XX. Logo no início do texto ele descreve as dificuldades de implementação destas experiências, em função dos custos e da busca por levar os recursos técnicos existentes na época para além de suas possibilidades imediatas. Um exemplo: “Despite numerous attempts, it would be several years before Prampolini had the opportunity to realize his scenic ideas, which finally occured in 1918-1919 when Prampolini arranged for a demonstration of his theories at the Teatro Odesclachi in Rome /…/ Although this prototype project could not by no means be called a commercial succes (it ran for two days), it finally secured Prampolini’s international reputation, helping him become one of the main forces in the world of avant-garde European scenography at the time”. A despeito de contextos nem sempre favoráveis (como no caso do esvaziamento do construtivismo russo a partir do momento em que o experimentalismo passa a ser considerado incompatível com o projeto político socialista), a época é extremamente fértil em novas formas e usos do palco, configurando-se como um exemplo para o contemporâneo. Um dos problemas bastante discutidos no escopo dos formatos de audiovisual ao vivo é a dificuldade de criar arranjos multi-telas, muitas vezes em função do custo mais alto para montar estruturas que diferem dos padrões mais comuns de projeção. É um impedimento sério para as pesquisas com linguagens audiovisuais ao vivo, que tornam raras situações como a do Red Bull Live Images, em que o espaço multitelas dialogava com experiências pioneiras do cinema expandido, como Vórtex, ou projetos como a Orquestra Vermelha. Apesar de ser um aspecto secundário, o texto de Salter relata formas de fomento existentes na época, e as relações difíceis entre os artistas e os espaços em que atuavam. É um aspecto importante do tema, já que pesquisas deste tipo dependem de uma cultura de financiamento em que o sucesso e o alcance de público não são critérios para eleger o que é importante. Parece que a cultura contemporânea deixou de lado este tipo de investimento, mais interessado em gerar pesquisa que resultados (e atrelado a uma lógica de prestígio aos apoiadores, que não esperavam retornos mensuráveis mas sim construir uma reputação como fomentadores de experiências de vanguarda). Além de fornecer um panorama amplo das inovações em formatos de palco e sua importância para os rumos da performance contemporânea, o texto de Salter ajuda a relembrar um momento em que a sociedade parecia mais permeável ao experimentalismo sem resultados. Mesmo que fosse difícil e conflituosa, a busca dos artistas mencionados no texto de Salter era possível. Hoje em dia, o circuito de audiovisual experimental parece marcado por uma lógica de homogeneidade, em parte como resultado de uma cultura de palcos enxutos e riders econômicos. Rever um passado não tão distante e suas utopias de reconstrução do espaço cênico é um exercício importante para vislumbrar caminhos e reacender inquietações. Não faz tanto tempo assim que governos, empresas e organizações engajadas no apoio à cultura ainda acreditavam na possibilidade de estimular o experimentalismo por acreditar na importância de suas pesquisas, sem se preocupar com o tamanho dos circuitos que abrigavam este tipo de experimento, a quantidade de pessoas que eles atingiam ou as fatias do mercado de cultura que eles representavam.