localização: hemisfério sul

Redes Vestíveis, de Claudio Bueno: o público usa o celular para compartilhar os movimentos por uma rede elástica virtual

Nos últimos cinco anos, o Vivo arte.mov ofereceu ao público brasileiro (primeiro em Belo Horizonte, depois em São Paulo, Porto Alegre, Salvador e Belém) um panorama amplo do que melhor foi produzido em arte e audiovisual para mídias portáteis, além de fomentar o desenvolvimento da cena local de arte locativa e promover debates com os artistas e críticos mais atuantes na cena.

Quem assistiu a palestra de Patrick Lichty, no Conservatório da UFMG, sobre a arte que surge conforme as mídias portáteis permitem produzir linguagem em deslocamento, provavelmente não poderia antever que o Vivo arte.mov, projeto criado por Lucas Bambozzi, Marcos Boffa e Rodrigo Minelli como desdobramento do Fórum de Mídias Expandidas do Festival Eletrônica, se espalharia por cinco cidades do Brasil, cinco anos depois. Neste intervalo, alguns dos mais importantes trabalhos de arte locativa mudaram de latitude, rumo ao hemisfério sul, e a cena local ganhou consistência a ponto de dois de seus artistas mais representativos terem recebido menção honrosa no Prix Ars Eletronica — Claudio Bueno (Redes Vestíveis) e da dupla Lucas Mafra / Fred Paulino (Gambiologia).

Escolher os destaques deste percurso é correr o risco de cometer injustiças, devido à diversidade da programação oferecida. De qualquer forma, a seguir serão apresentados alguns momentos que certamente representam uma amostra significativa deste processo. Para evitar um recorte que priorize determinados momentos em detrimento de outros, a seleção será cronológica, o que também permite entender a forma como o festival foi se ampliando e se diversificando, passando de um Fórum em que o foco era entender os rumos do audiovisual em formatos portáteis para um espaço de fomento de novas tendências da arte como celular.

A Mostra Competitiva de 2006, primeiro ano do Festival, foi o retrato de um momento prospectivo, em que jovens realizadores interessados nas possibilidades das câmeras portáteis tiveram seus filmes exibidos ao lado do trabalho de cineastas e artistas com carreira mais consolidada. Entre os filmes que merecem ser lembrados estão Pirulito, de Erick Ricco, e Tchau, Pai, de Ricardo Machado e Livia Izar. São flagrantes de momentos cotidianos, facilitados pela portabilidade das câmeras de celular. Como Godard já tinha percebido, quanto menor o tamanho da câmera, maior o cardápio de olhares em cena. Com o celular tornou-se possível filmar cenas de pontos-de-vista imprevistos e capturar imagens em situações que dificilmente seriam filmadas não fossem os aparelhos de bolso. Também relevam caminhos fertéis o irônico Hilda Replicante, de Kiko Goifman, o performático R.I.P, de Bossanove, e o bem elaborado Se estou certo, porque meu coração bate do lado errado?, de Joacélio Batista.

Além da mostra competitiva, em 2006 foram exibidas seleções criadas por curadores representativos no circuito que então se configurava nos interstícios entre o microcinema, a produção para videoblogs e as possibilidades que surgiam com a web 2.0 e as câmeras de pequeno formato. Neste contexto, foi exibido o programa “Mobile Exposure”. O pressuposto de Mobile Exposure era de que as mídias portáteis potencializariam a prática de guerrilha criada com o vídeo (em oposição à televisão). Lichty aponta esta relação entre a produção em mídias portáteis e a videoarte retomando o artigo “The Distinctive Qualities of Video”, e afirma que “com a emergência das tecnologias e dispositivos móveis de gravação, os videomakers cotidianos sobre os quais Antin falou tornam-se cada vez mais francos, experimentais, íntimos e atuais”. 

Em Invisíveis, de Bruno Vianna, seres fantasmáticos surgem sobrepostos ao Parque Municipal de Belo Horizonte, visto através de celulares com softwares de realidade aumentada criados pelo artista

Neste mesmo ano, o festival apresentou uma retrospectiva de Giselle Beiguelman, com trabalhos para celular (Wop Art e fast/slowscapes), Internet (Desmemórias) e painéis eletrônicos (Poétrica) e uma obra em processo de Éder Santos, já acenando na direção do formato que mistura mapeamento da cena internacional com fomento à produção brasileira que se consolidou nos anos seguintes. Neste ano, a exposição acontece com um perfil bastante atrelado à produção videográfica, emprestando uma unidade ao programa do Festival que, no entanto, passa a se reconfigurar nas edições seguintes conforme ficam mais claras as possibilidades do uso do telefone celular como dispositivo de rede, e aparelho que dialogo com seu entorno. Esta diferença é expressa por Giselle Beiguelman, no texto “A arte sem fio” (conforme já discutido em edição anterior revista arte.mov).

Em 2007, o Vivo arte.mov consolida seus dois focos mais explícitos, em audiovisual e artes locativas. E a abertura do Simpósio da segunda edição oferece ao público um dos pontos altos de todas as edições.

A palestra de Armin Medosch, que abre esta edição, apresenta um panorama amplo das tecnologias de comunicação sem-fio. Algumas das idéias apresentadas por Medosch estão compiladas em 45 RPM (Media History on Heavy Rotation), texto que tem versão em português no livro Mediações, Tecnologia, Espaço Público, organizado pelos curadores do festival com textos dos artistas e teóricos que participaram do Vivo arte.mov.

Nesta segunda edição do festival, foram apresentados vários projetos importantes em termos de pesquisa com os usos do celular em rede no espaço urbano, como o Tactical Sound Garden, de Mark Shepard, Air, do Preemptive Media e Canal Motoboy, de Antoni Abad. E foi comissionado o desenvolvimento de Invisíveis, de Bruno Vianna, série de micronarrativas em realidade aumentada desenvolvidas a partir de pesquisa feita pelo artista no Parque Municipal de Belo Horizonte. O trabalho do artista carioca, que também é diretor de Ressaca, representou um foco mais sistemático no fomento à produção brasileira de arte locativa.

 

Descontínua Paisagem: imagens produzidas em tempo real a partir de escolhas feitas pelo público por meio de mensagem que selecionam imagens geolocalizadas disponíveis no site Confluence.org

Ao mesmo tempo, também começam a se delinear de forma mais clara algumas características típicas dos vídeos para celular que circulam na Mostra Competitiva, marcada pela participação de cineastas, como Beto Brant e Neville de Almeida, e artistas, como Raquel Kogan e Lea Van Steen. Além destes, destacam-se o premiado Tocata e Fuga, de Nélio Costa, Ring-Pum, do Pixel Banana, The Nature, de Eduardo Zunza, MPEGMovie, de Graziela Kunsch e Hoje vou beber Niemeyer, de Fabio Cançado. A lista demonstra a versatilidade de caminhos possíveis, mas também revela uma consistência.

Em 2008, o VIVO Arte.Mov começa um processo de ampliação de espaços, acontecendo pela primeira vez fora de Belo Horizonte. Em São Paulo, uma exposição na Galeria Vivo reúne trabalhos que se destacaram nas edições anteriores, incluíndo uma versão ampliada da retrospectiva de Giselle Beiguelman. Além dos trabalhos incluídos na mostra já realizada em Belo Horizonte, a artista apresenta uma versão de Filosofia da Caixa Prata, obra criad com José Carlos Silvestre que investiga “a transformação das imagens em interface”, em procedimento que “interroga o papel do código algorítmico na construção da visualidade e explora os processos de desmaterialização/ recomposição da identidade, via imagem, em redes sociais”.

A exposição em São Paulo abre a programação de um ano que teve como destaque um versão de Can You See Me Know?, do grupo inglês Blast Theory, criada especialmente para o bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte. Neste ano, também participaram da exposição Jonah-Brucker Cohen, com duas obras entre as quais se destaca Alerting Infrastructure! (uma furadeira posicianada na direção da parede da galeria é ativada cada vez que alguém entra no site do Festival, propondo uma tensão entre físico e digital, que funciona como metáfora da corrosão do primeiro pelo segundo), Laura Bellof, com a escultura mobile vestível Head (um dispositivo que o público retira na galeria e leva para um passeio em que fotos tiradas automaticamentes pela cabeça automatizada são enviadas para o banco-de-dados do projeto).

Também foi exibida a obra Gambiologia, de Ganso, Lucas Mafra e Fred Paulino, um trabalho de construção de vestimentas com sotaque antropofágico. Por meio de aparelhos eletrônicos reciclados, a obra reverte o processo de obsolescência veloz imposto pela indústria de tecnologia, propondo um procedimento de reutilização criativa de materiais normalmente entendidos como refugo. E Videoman, de Fernando Llanos, que propôs uma experiência de projeção em trânsito, usando um skate e um projetor para exibir imagens em duplo movimento (o movimento das imagens mesmo e o movimento do suporte de projeção).

O prêmio de mídias locativas foi para Descontínua Paisagem, de Fernando Velázquez e Juliá Carbonera. O projeto gera um vídeo automático com imagens produzidas em tempo real a partir de escolhas feitas pelo público por meio de mensagem que selecionam imagens geolocalizadas disponíveis no site Confluence.org, um site que promove o mapeamento coletivo da terra a partir de fotos tiradas em cruzamentos de latitudes e longitudes exatas.

A mostra competitiva de 2008 reúne trabalhos de realizados de perfis diversos, mostrando um primeiro estágio de amadurecimento do circuito de produção com câmeras portáteis. Os trabalhos apresentados transitam por universos que vão do VJ e da abstração, à ficção e ao humor. Surgem nomes que começam a consolidar uma trajetória na cena de mídias móveis, como a dupla Pixel Banana (com DemoCity Remix) e Felipe Barros (Destino Transitório) e Dellani Lima (Libertárias). Também são exibidos Calçadão, de Christian Caselli, Coney Island Walk, de George Queiroz e Carol Ribas, Naked, de Kika Nicolela, e Sob Controle [1]. de Silvia Guadagnini.

O Simpósio de 2008 abordou o tema “Apropriações do (In)comum: espaço público e privado em tempos de mobilidade”. Com palestras de Regine Debatty, Fábio Duarte, André Lemos, Trebor Scholz e Mirjam Struppek, foram discutidas as principais estratégias de difusão em rede e acesso à informação, as convergências esperadas e as já existentes entre rede e espaço físico, e os desenvolvimentos das tecnologias sociais em seus vários aspectos.

A edição de 2009 do VIVO Arte.Mov enfocou o tema das Geografias Imaginárias. Conforme exposto no catálogo desta quarta edição do festival, um “dos aspectos mais contundentes do redesenho que as redes operam no espaço é a fratura de territórios, que relativiza as fronteiras físicas ao tecer sobre elas malhas imateriais”. O legado intelectual de Milton Santos serviu como referência para discutir as formas compartilhadas de cartografia que surgem com a popularização de dispositivos GPS e outras tecnologias espacializadas.

Neste ano, o prêmio de mídias locativas foi para Culture Robot, de Ricardo Palmieri, Kruno Jost, Paloma Oliveira e Mateus Knelsen. Um projeto que discute as dicotomias entre o universo individual e coletivo, os conceitos de público e privado e as fronteiras mentais, misturando workshop e uma instalação em que robôs caminham sobre um mapa de Belo Horizonte, ativando vídeos e imagens que exibem micronarrativas sobre lugares específicos.

Também compuseram a exposição deste ano obras como Flight Patterns, de Aaron Koblin (visualização de dados do tráfego aéreo sue circula durante 24 horas nos Estados Unidos), The things that happen when I think of you, de Juliana Mundim (série de vídeos curtos que propõe um diário sem palavras), e os work in progress Urban Poetics, do Proboscis (a partir de uma oficina em que o grupo inglês discute sua proposta de autoração do espaço público), e Macro, de Nelson Brissac (ferramenta de mapeamento que permite entender como “as dinâmicas da economia global têm provocado profundas alterações na estrutura produtiva e na organização territorial do Brasil”).

Esta edição foi pontuada por uma maior presença de trabalhos de performance audiovisual, resgatando as origens do Festival a partir do Fórum de Mídias Expandidas. Foram apresentados trabalhos como Terra Nova, de DJ Spooky, uma das performances mais conhecidos do artista americano, que propõe um “retrato acústico” das rápidas transformações ocorridas na Antártica. Da obsolescência programada, de Lucas Bambozzi, Paulo Beto e Jarbas Jácome, performance em 3 atos que propõe uma reflexão sobre como a rápida substituição de equipamentos produz uma quantidade grande de lixo eletrônico. E a performance estereoscópica do Anti-VJ com o duo de música eletrônica Principles of Geometry, baseada em ondas geométricas e elemento futuristas que constróem um ambiente imersivo diante do público.

Através de gravações feitas com um estúdio portátil, o DJ Spooky recria a experiência acústica de um Antártica em transformação em função do rápido derretimento de suas geleiras

A Mostra Competitiva de 2009 apresentou 47 microfilmes, um número que atesta a continuidade da cena de audiovisual criado a partir das premissas de uma cultura de mobilidade. Foi uma seleção de maior ênfase nos aspectos plásticos e na montagem, com destaque para Atlântico, de André Hime e Huila Gomes, o premiado Following the Light, de Eduardo Zunza, Pedra Mole em Água Dura, de Paula Barreto, Ponto de Fuga, de Lea Van Steen, e Solo, de Cleisson Vidal.

Em 2010, o VIVO arte.mov consolida um formato distribuído por todo o Brasil, e inaugura um programa mais amplo que passa incluir um Circuito de Difusão diferenciado (algo que já existia no Festival mas ganha um novo formato, próximo ao de uma edição regional) e prepara o contexto para a criação de Hacklabs em várias cidades do Brasil.

Explorando o tema das Novas Cartografias Urbanas, a quinta edição do festival discute como as “tecnologias de rede atuais reconfiguram o espaço público tornando possível novas formas de mediação nas grandes cidades, cada vez mais marcadas por problemas

de infra-estrutura críticos e inviabilidades resultantes de processos de urbanização que chegaram aos seus limites.”

A programação de 2010 começa com o Glonet, um Simpósio realizado durante 24 horas em 5 cidades simultâneas. Com palestrantes no Japão, na Índia, na Inglaterra, no Canadá, no Brasil, o evento usa uma infra-estrutura de teleconferência para permitir debates transnacionais entre os convidados que se apresentam em cada país.

Nesta edição, os destaque do Simpósio são Bruce Sterling, que fala sobre o futuro das cidades, Annete Schaffer, que discute as conseqüências do mundo virtual para o mundo real, por meio de trabalhos de artistas associados ao Trampoline, e Massimo Felice, que propõe um novo conceito ecológico que sugere uma superação do humanismo, nas cidades híbridas e hiperconectadas produzidas pelas tecnologias portáteis.

Um dos destaques do VIVO arte.mov em 2010 é a realização de Mostra Audiovisuais temáticas sobre as várias regiões do Brasil: Brazil Know What Videoart Is, com curadoria de Francesca Azzi (Sudeste), Invisibilidades, com curadoria de Jorane Castro (Norte), O Corpo-Imagem, com curadoria de Danillo Barata (Nordeste), Eu não quero ser cineasta, com curadoria de Gustavo Spolidoro (Sul).

A Mostra Competitiva revela novos talentos,como o premiado Roderick Steel (6pistas) e Vanessa De Michelis (Phonosíntese V.0.1). Além disso, são exibidos trabalhos de realizadores de diferentes gerações: Uma Busca em Processo Ou A Arqueologia do Futuro, de Aline X e Pedro Veneroso, Se me pergunto, porque meus lábios negam respostas?, de Joacélio Batista, Conversas Marítimas, de André Amparo, Adios Rondonia, de Malu Teodoro e Vinicius Assencio, e Acende a Luz, de Rodrigo Cass.

A exposição deste ano apresenta, entre outros, Panoramic WiFi Camera, de Adam Somlai-Fischer, Bengt Sjölen e Usman Haque, uma escultura sensível a ondas eletromagnéticas, que permite visualizar a densidade de redes existentes num determinado espaço, revelando a topologia do “espaço hertziano”. Cinema Machines, de Heidi Kumao, em que objetos domésticos tornam-se superfícies de projeção que remetem ao zootrópio, aproximando o primeiro cinema das poéticas em mídias móveis. The Drawing of My Life, de Daniel Belasco-Rogers, imagem criada pela sobreposição continua das trajetórias feitas pelo artista entre 2003 e 2010. Holodecon, de Arcangel Constantini, uma máquina que dá choques no usuário e permite ver realidades construídas “nas sinapses ativadas pela flutuação direta de informação, recebida por sensores ou na lucidez da atividade mnemônica coletiva”.

O prêmio desta edição foi para Redes Vestíveis, de Claudio Bueno, uma performance “coletiva baseada numa rede virtual elástica representada graficamente na tela de aparelhos celulares. O corpo que se movimenta fisicamente dentro da rede virtual, incita o movimento dos outros corpos conectados, que, caso não se movimentem também, fazem esgarçar e estourar os nós da rede, desconectando-os do trabalho”.

Outros destaques desta edição foram o lançamento de Immobilité, o longa-metragem feito com celular por Mark Amerika explorando linguagens convertidas do cinema de arte, para construir uma “história sobre um mundo futuro onde o sonho de viver em utopia só pode ser sustentado por uma tribo nômade de artistas e intelectuais”, a exposição do Marginália LAB, um espaço de experimentação colaborativa com novas tecnologias, interessado nos potenciais estéticos emergentes das tecnologias digitais da informação e da comunicação que pretende estimular e sustentar a experimentação colaborativa. E o Inter’Activos, uma “plataforma de pesquisa e produção para os usos criativos e educativos da tecnologia cujo objetivo principal é expandir o uso de ferramentas de eletrônica e software para artistas, designers e educadores”.

É difícil resumir a experiência de cinco anos do VIVO arte.mov, mas este panorama conciso permite entender o escopo do projeto. Ao mapear a produção nacional e fomentar a produção nacional de arte em mídias móveis, o festival oferece ao público brasileiro a oportunidade única de uma reflexão crítica e atualizada sobre alguns dos principais fenômenos da cultura contemporânea, num embate constante com o presente que implica na constante reavaliação de estratégias e propostas (mutliplicando experiências que abrangem da realização do festival à organização de publicações, workshops e incentivo a espaços de produção experimental).