temas avançados em audiovisual

 

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sugestões de filmes

O curso será organizado em torno da criação de um filme de perfil Baixo OrçamentoGuerrilha, Filme de um homem só (para ficar com apenas alguns dos termos que, nos mais diferentes contextos, indicam certa democratização dos processos para realização de obras audiovisuais de relativa complexidade, com custos muito menores do que eram necessários antes do amadurecimento dos processos digitais de filmagem, montagem e pós-produção). Hoje, com câmeras DSLR e programas para edição e tratamento de cor com bom desempenho em computadores relativamente baratos (pelo menos, se comparados com os custos das estruturas profissionais de cinema) tornaram-se menos raros filmes de “aparência profissional”, feitos sem grandes orçamentos.

Não é possível desconsiderar os aspectos ideológicos de afirmativas do tipo: esta aparência dita “profissional” é um dispositivo comercial e geopolítico, que despreza o desenvolvimento da diversidade de cinematografias formadas em paralelo à chamada narrativa clássica hollywodianaO Primeiro Cinema, de Flavia Cesarino Costa, e, de forma mais ampla, Introdução à Teoria do Cinema, de Robert Stam, discutem o modo como o olhar crítico e historiográfico com ênfase na narrativa clássica é parcial. Os cinemas novos e as tradições não-européias como os cinemas indiano, japonês e chinês já são suficientemente conhecidos. Práticas ligadas ao faça-você-mesmo e ao artesanato digital tornaram relativa a distância entre amador e profissional. Isto levou a um importante desmonte dos aspectos políticos implícitos nos parâmetros de qualidade e modos de fazer audiovisual, assim como uma saudável diversificação de práticas.

De forma semelhante, o surgimento da TV e das formas de produção em torno de tecnologias eletrônicas e digitais levou a mudanças constantes na percepção do que é uma boa filmagem. Essa diversidade tecnológica é outro aspecto que levou a esta relativização da chamada “aparência profissional”, neste caso menos pela distância cultural e mais pelo processo de democratização que vai aos poucos deixando os produtos tidos como amadores ou profissionais cada vez mais parecidos (mesmo que a indústria pressione pela diferença, seja sofisticando efeitos especiais ou investindo em recursos 3-D).

No recorte proposto para esta disciplina, sem esquecer as questões ideológicas envolvidas, a ênfase será outra: a complexidade que ferramentas relativamente mais baratas (muitas vezes disponíveis até mesmo na forma de aplicativos para telefones celulares) ajudam a construir uma cultura audiovisual cada vez mais ampla e heterogênea. Ela aparece em dois fenômenos paralelos, a diversificação dos circuitos e a audiovisualização da cultura.

A diversificação dos circuitos acontece como resultado da diversidade crescente de possibilidades para realizadores interessados em circular suas obras no circuito dos festivais, e explorar a multiplicação de janelas de exibição, que torna a sala de cinema menos definidora da relação entre um filme e seu público. A ideia de produzir um audiovisual, apesar do vigor dos filmes de longa-metragem, não se restringe mais à experiência do curta como plataforma para chegar ao longa. Hoje os formatos breves ganharam relevância. E o audiovisual seriado atingiu um patamar estético sem precedentes, como resultado da consolidação dos nichos (possível com o surgimento da TV Cabo, e especialmente das plataformas online).

A audiovisualização da cultura decorre do fácil acesso aos recursos de filmagem, montagem e distribuição, em âmbito doméstico. Câmeras portáteis ou embutidas em dispositivos portáteis (celulares e tablets), programas e aplicativos de edição e retoque simples e fáceis de usar plataformas de auto-publicação e mesmo ambientes que não são focados em conteúdo audiovisual, como as redes sociais que permitem publicar cenas curtas como destaques no perfil, fazem com que as pessoas tenham muito mais contato com seqüências articuladas de som e imagem em movimento. Apesar de já um pouco antigo, este gráfico publicado na revista Wired documenta o crescimento do acesso ao conteúdo audiovisual em rede. Certamente, isto serve de parâmetro para perceber a atual centralidade do audiovisual, resultado dos processos de mecanização dos conteúdos com o surgimento da fotografia, do cinema e da música gravada, que desde o final do século 19 vem rapidamente passando por novos ciclos tecnológicos e ondas de inserção cultural.

Estes processos afetaram de forma definitiva o audiovisual de circuito, termo que atualmente faz mais sentido do que cinema profissional, pois marca antes uma opção pelos modos de circular filmes e séries que suas características formais, estruturais, orçamentárias e outras. Tudo ficou mais “profissional”, ao mesmo tempo que os críticos e historiadores “profissionais” aos poucos foram mostrando que os formatos da indústria comercial não representam o escopo diverso das linguagens audiovisuais.

A opção de José Padilha por transformar aquilo que seria a seqüência de Tropa de Elite 1 e 2 numa série do Netflix, O mecanismo, é explicada por ele, em entrevista à Folha de S. Paulo, por meio de uma percepção de que hoje o filme de longa-metragem e a sala de cinema já não ocupam um lugar tão central na cultura. Não é um processo recente, apesar de agora ter atingido outra escala. Vale assistir alguns dos filmes que foram surgindo neste contexto de democratização dos processos, e perceber como eles foram se distanciando cada vez mais dos modelos estabelecidos em seus diversos circuitos de inserção — mesmo quando o cinema hollywodiana não é referência, as diferentes cinematografias acabam estabelecendo certos padrões, como fica claro em livros críticos que debatem os cinemas novos ao redor do mundo, de Alegorias do Subdesenvolvimento, de Ismail Xavier, a New German Film, de Thomas Elsaesser.

O mestrado de Gustavo Spolidoro aborda de forma detalhada o tema. Quem não quiser se aprofundar na questão pode ler esta entrevista com o cineasta. Os temas do semestre serão desenvolvidos em torno destas possibilidades. Antes de apresentar eles de forma mais detalhadas, vale apontar a dificuldade de inserir alguns destes filmes nos gêneros mais típicos, reflexo de uma tendência mais ampla de mistura de recursos do documentário e da ficção — pensando num intervalo de tempo relativamente longo, pois já o neo-realismo italiano e seu investimento na filmagem fora do estúdio anuncia aspectos deste processo, hoje em dia inclusive inserido na complexa trama das fake news.

Considerando o pré-requisito de conhecimento anterior dos processos de roteiro, filmagem e montagem, as ênfases desenvolvidas serão me questões relativa à configurações de Câmera, da escolhe de lentes e conhecimento dos principais controles, ao desenvolvimento de presets de filmagem, questões de luz e sua relação com a aparência visual do material filmado (assim como maneiras de planejar a relação entre a filmagem e a pós-produção), questões relativas ao uso de gravadores de som, e questões relativas às ferramentas de montagem e pós-produção do Premiére, visando um maior controle de aspectos como cor e amplitude dinâmica das cenas (mais detalhes no cronograma do semestre).