O conceito de acontecimento é importante para entender os tipos de audiovisual baseados em agenciamentos em tempo real discutidos no artigo iMaGeNSoNS: sincronias entre acontecimento e narrativa. No sentido usado no texto, o acontecimento é uma ação incomum, que desestabiliza a rotina. O conceito é discutido na edição da revista Communications dedicada ao tema, editada por Edgar Morin. O acontecimento, para Morin, tem um escopo amplo, relacionado com o funcionamento dos sistemas complexos, em que um acontecimento é um evento que reorganiza o sistema (seu estado inicial sendo sempre desestabilizador). Em certo sentido, há uma proximidade entre o conceito de acontecimento e a ideia foucaultiana de heterotopia, espaço de exceção que fulgura momentaneamente e rompe a tessitura dos fatos. A performance no espaço público com aparelhos de realidade aumentada explora essa instalação de lugares transitórios que surgem como camadas temporárias em um espaço dado, reconfigurando-o durante sua execução. [Cf. Morin, Edgar. “Le retour de l’événement”, In:www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/comm_0588-8018_1972_num_18_1_1254 e Foucault, Michel. “Outros Espaços”, In: Ditos e Escritos 3. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.]

O artigo Da representação à simulação: evolução das técnicas e das artes da figuração, de Edmond Couchot (publicado em Imagem-Máquina, de André Parente), permite ampliar a discussão sobre o conceito de acontecimento para além do escopo proposto no artigo. O texto de Couchot aborda os conceitos de tempo real e de acontecimento, no contexto de uma genealogia das imagens técnicas. A seguir, algumas citações relevantes:

“Nasceu assim a televisão, que acrescentou ao cinema a capacidade de registrar, transmitir e reproduzir simultânea e quase instantaneamente uma imagem em movimento” (p. 37)

“As técnicas fotográficas, fotomecânicas, cinematográficas e televisuais que vieram depois não somente alteraram o modelo vigente desde o Quattrocento, como o levaram à máxima eficácia: conquista do movimento com o cinema, conquista da instantaneidade e da simultaneidade da geração de imagem, de seu registro e de sua transmissão com a televisão, que suprime o prazo de registro da imagem próprio ao cinema e opera uma aproximação definitiva entre a imagem e o real, o momento de sua captura e o momento de sua re-presentação.” (p. 41)

“O espaço muda: virtual, pode assumir todas as dimensões possíveis, até dimensões não inteiras, fractais. Mesmo o tempo flui diferente; ou antes, não flui mais de maneira inelutável; sua origem é permanente “reinicializável”: não fornece mais acontecimentos prontos, mas eventualidades.” (p. 42)

“Os modelos de simulação numérica podem ser dotados de certa plasticidade, tornam-se suscetíveis de modificação, dependendo das exigências do experimentador. Este vai poder agir sobre o processamento do programa, com freqüência ‘em tempo real’ (quase instantaneamente) e mudar alguns de seus parâmetros, alguns dados, algumas instruções.

Através do modo interativo ou conversacional, o modelo abre-se ao mundo exterior e deixa de funcionar em circuito fechado. É possível, então, agindo sobre a imagem, agir sobre o próprio modelo” (p. 45-6)